sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Respostas a um antitrinitariano (parte 1 de 4)


[Nestes últimos dias o dragão (Satanás) está irado contra a mulher (igreja) e tem levantado as mais diversas heresias, ideias e variados movimentos dissidentes com o objetivo de causar dissensão e dividir para conquistar. Enquanto Jesus orou pela unidade da igreja, há indivíduos e grupos que fazem o trabalho contrário. Entre esses estão os antitrinitarianos, “pescadores de aquário” que têm se especializado em abalar a fé de membros da igreja menos preparados e não firmados na Palavra. Apresentam argumentos e textos descontextualizados, “documentos” parciais e distorção da história eclesiástica, afirmando que a Igreja Adventista teria abraçado um dogma pagão. Com o objetivo de munir os interessados com argumentos consistentes e, mais importante, verdadeiros, convidei meu amigo pastor Eleazar Domini, criador do blog Adventistas Trinitarianos, a escrever uma série de três posts intitulada “Respostas a um Antitrinitariano”, organizada em quatro partes: (1) a Trindade na Bíblia e na História; (2) a divindade e a eternidade de Jesus; (3) a divindade e a personalidade do Espírito Santo; e (4) a Trindade na história do adventismo. Para que os textos não sejam excessivamente longos e pensando nos leitores que queiram se aprofundar no assunto, foram colocados links para conteúdos extras. O pastor Eleazar, além de bacharel em Teologia, é mestre em Teologia na área de Interpretação e Ensino da Bíblia com ênfase na língua hebraica. Atualmente é pastor distrital em Aracaju. – MB]

Ao longo da minha trajetória nestes dez anos como pastor adventista do sétimo dia, já passei por diversas experiências desconfortáveis com variados grupos dissidentes. Os antitrinitarianos vez ou outra nos interpelam com seus questionamentos, querendo nos colocar “contra a parede”, assim como os fariseus faziam com Cristo. Abaixo estão algumas das perguntas mais recorrentes a respeito da Trindade e as repostas que eu costumo oferecer:

PERGUNTA 1: Nos dias em que o Messias esteve neste mundo qual era a crença predominante entre os professores ou mestres em Israel? (1) Unicismo: modalismo, que advoga que existe um Deus, o qual Se manifesta em três essências ou modos (Pai, Filho e Espírito Santo)? (2) Trindade, que defende que o Eterno é três pessoas distintas que compartilham a mesma natureza? (3) Monoteísmo, que advoga que o Eterno é um ser indivisível, um só, único, ímpar, singular e incomparável? Lembrando que estamos falando de um povo estritamente imerso em uma tradição milenar de forte tendência à oralidade. No relato de Marcos, capítulo 12, Jesus profere o Shemá Israel como resposta à pergunta de um mestre da Torá de qual seria a maior Mitzvah (instrução, mandamentos), conforme consta nos versos 28 (pergunta) e 29 (resposta de Jesus). Ao responder com o Shemá Israel logo em seguida, o mestre disse que Jesus dera uma boa resposta. A pergunta que eu faço é: Se a crença verdadeira é o monoteísmo unicista ou monoteísmo trinitariano, não era uma boa oportunidade para Jesus corrigir aquele mestre? Obs.: O teólogo José Carlos Ramos diz que “o termo Trindade foi usado pela primeira vez por Teófilo de Antioquia no 2o século.

RESPOSTA: Talvez o maior problema de quem advoga o antitrinitarianismo seja a descontextualização, i.e., a análise de apenas parte do texto esquecendo o restante. Veremos abaixo o restante do texto esquecido pelo amigo, como também as correlações existentes entre ele e os livros de Salmos e Hebreus.

O primeiro aspecto frágil a ser analisado nessa proposta levantada pelo amigo (mesmo ele não tendo mencionado, mas está subtendido em sua fala) é a crença de que o termo echad tem apenas um sentido, um significado: “único”. Não obstante, em vários outros textos da Torah (Pentateuco), Neviim (Profetas) e Ketuvim (Escritos) extrai-se também o conceito de pluralidade para a termo. Os exemplos são os mais diversos:
  1. A junção de duas partes – tarde e manhã – na formação de um echad, dia (Gn 1:5).
  2. A união matrimonial entre o homem e a mulher, quando os dois são chamados “uma (echad) só carne” (Gn 2:24).
  3. O povo era um echad e ao mesmo tempo muitos (Gn 11:6); um echad coração, mas era uma multidão (2Cr 30:12).
  4. No novo concerto, Deus deu a todos os crentes, seu povo, um echad coração (Jr 32:39), mas eles são muitos.
É importante ressaltar que o termo echad não tem a significação apenas de uma unidade composta; ele pode ser traduzido por “um” como uma unidade simples e básica. Entretanto, é um termo que permite a dupla tradução, i.e., pode ser usado das duas formas. Contudo, há outro termo hebraico que não permite a tradução de uma unidade composta: yachid. Esse termo só é traduzido por “um” no sentido de “único”, ele não permite o uso para uma unidade composta. Sendo assim, fica o questionamento: se Moisés quisesse enfatizar um Deus único no sentido de ser apenas uma pessoa, o melhor termo a ser empregado não seria yachid? Por que usou o termo echad que permite uma segunda tradução? Isso é, no mínimo, curioso.

Alguns tentam apelar para o texto em que Deus diz “toma agora o teu filho, o teu único (yachid) filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu Te direi” (Gênesis 22:2), para tentar mostrar que também teria um sentido composto, uma vez que Abraão também tinha Ismael como filho. É necessário dizer que qualquer estudante da língua hebraica sabe que isso não é verdade. Quando o texto menciona Isaque como único (yachid) filho, é literal no sentido de ser o único legítimo, o único filho da promessa. Não havia outro filho legítimo de Abraão com Sara; não havia dois filhos da promessa. É nesse sentido que yachid é usado em Gênesis 22:2. [Sobre echad e yachid, leia mais aqui, aqui, aqui e aqui.]

Dito isso, entendemos que Cristo afirmou o que todo cristão deve dizer, e não há erro nenhum nisso nem nas palavras do escriba: “Há um (echad) só Deus, e não há outro além dEle.” Todo cristão trinitariano crê nisso. Há apenas um Deus, manifesto em três pessoas. Entretanto, nota-se que o amigo desconsiderou os versos subsequentes da narrativa de Marcos. Se propositalmente, não se sabe, mas segue-se abaixo a análise que vai dos versos 35 a 37:

“E, falando Jesus, dizia, ensinando no templo: Como dizem os escribas que o Cristo é filho de Davi? O próprio Davi disse pelo Espírito Santo: “O Senhor disse ao Meu Senhor: Assenta-Te à Minha direita até que Eu ponha os Teus inimigos por escabelo dos Teus pés. Pois, se Davi mesmo lhe chama Senhor, como é logo seu filho? E a grande multidão O ouvia de boa vontade.”

Nesse relato Cristo reivindica Sua autoridade como Senhor no Antigo Testamento. Ele faz uma referência ao Salmo (Tehilim) 110:1. Ali aparecem dois Senhores. Um deles é Cristo. Confirmando essa teologia linda que permeia toda a Bíblia, Paulo, ao escrever em Hebreus, diz: “E a qual dos anjos disse jamais: Assenta-te à Minha destra, até que ponha a Teus inimigos por escabelo de Teus pés?” (1:13). Aqui Paulo faz referência a Cristo como o Senhor que aparece no Salmo (Tehilim) 110:1. Ou seja, além de o próprio Cristo Se identificar como o Senhor do Salmo 110, Paulo ratifica as palavras de Cristo. O mais interessante é que nos versos anteriores o autor de Hebreus usa ainda outro Salmo, o 45:6 e 7, em que apresenta Cristo como Deus:

“Mas, do Filho, diz: Ó Deus, o Teu trono subsiste pelos séculos dos séculos; cetro de equidade é o cetro do Teu reino. Amaste a justiça e odiaste a iniquidade; por isso Deus, o Teu Deus, Te ungiu com óleo de alegria mais do que a Teus companheiros” (Hb 1:8, 9).
Claramente Cristo é identificado como Deus no livro de Hebreus, pois o verso 8 inicia dizendo que “do Filho diz: Ó, Deus”. No texto hebraico temos a expressão Elohim duas vezes. Uma provável referência a Cristo e ao Pai, como se vê abaixo:

אָהַבְתָּ צֶּדֶק וַתִּשְׂנָא רֶשַׁע עַל־כֵּן מְשָׁחֲךָ אֱלֹהִים אֱלֹהֶיךָ שֶׁמֶן שָׂשׂוֹן מֵחֲבֵרֶיךָ

Portanto, o relato de Marcos não retira de Cristo Sua divindade, ao contrário, o correto entendimento dos termos e a análise contextual dos versos correlatos permitem claramente a identificação de Cristo como o ser divino, o Deus do Tehilim, identificado e interpretado pelo autor inspirado de Hebreus.

O amigo expressa o contexto cultural judaico como sendo de extrema valia teológica. Não obstante, esquece que esse mesmo contexto cultural judaico estava tão distante da verdadeira teologia que rejeitaram o Messias. A Mitzvah é uma amostra de quanto a tradição estava impregnada na mentalidade judaica, que praticamente havia suplantado a teologia do Antigo Testamento. Não se pode afirmar categoricamente que havia um claro ensino defendido pelos judeus acerca da Trindade (apesar de fortes evidências serem encontradas no Antigo Testamento a respeito dessa doutrina).

Da mesma forma muitas outras doutrinas não eram ensinadas por eles e também não têm tanta ou mesmo nenhuma ênfase no Antigo Testamento, mas foram estabelecidas ao longo da era neotestamentária. Poderíamos citar o batismo, a santa ceia; havia fortes discrepâncias também entre a crença da ressurreição defendida pelos fariseus e atacada pelos saduceus, bem como grandes discrepâncias entre as principais escolas rabínicas da época (Hillel e Shamai) acerca da questão do divórcio e novo casamento. A lista é grande das doutrinas e crenças não abordadas no Antigo Testamento de maneira clara, e muitas delas não são defendidas pela comunidade judaica em sua inteireza.

Cristo cita Deuteronômio da forma como está, e provavelmente na língua hebraica (forma comum como um judeu citava as Escrituras). Não há dificuldade em citar o texto tal como ele está (o termo echad não oferece dificuldade à doutrina). O fato de Cristo citá-lo e não explicá-lo, como o amigo gostaria que Ele tivesse feito, e talvez o amigo considere que Cristo tenha perdido uma grande oportunidade de ensinar a Trindade, eu credito à grande sabedoria do Mestre. Jesus sempre soube o momento certo de falar. Não podemos fundamentar uma doutrina ou destruí-la com base no silêncio de Cristo. Uma doutrina não se baseia no silêncio.

Há outras ocasiões em que Cristo silenciou e não deu explicações que talvez considerássemos cruciais que Ele o tivesse feito. Mas Ele sabia e sabe melhor do que nós. Nunca Se calou quando considerou prudente falar e nunca falou quando considerou prudente Se calar. Portanto, não desacredito na doutrina bíblica da Trindade tão somente porque Cristo Se calou quando acho que Ele deveria ter falado. Minha crença também não se fundamenta no que a comunidade judaica da época de Cristo acreditava ou não (eles não eram parâmetro doutrinário em tudo). Minha crença se baseia nas inúmeras provas bíblicas (AT e NT) que, de forma contundente, abordam o conceito trinitário, independentemente da mentalidade judaica contemporânea de Cristo.

Quanto à última parte de seu questionamento, em que você usa a fala do Dr. José Carlos Ramos para mostrar que o termo Trindade foi usado pela primeira vez no século II, isso não diminui em nada a crença nessa doutrina bíblica. O termo “cristãos” foi utilizado pela primeira vez só em Atos 11:26, quando, depois das muitas perseguições, eles foram para a região de Antioquia. Lá, depois de algum tempo ensinando as pessoas, eles foram chamados “cristãos” pela primeira vez. Pergunta: Será que antes eles não eram cristãos? Não eram seguidores de Cristo só porque foram assim denominados posteriormente? Poderíamos afirmar, então, que todos aqueles que viveram antes da nomeação em Antioquia não eram cristãos? Só podemos considerar cristãos os que viveram após o reconhecimento que os moradores de Antioquia fizeram? Claro que não! Apesar de o nome surgir depois, o conceito e as evidências dos seguidores de Cristo já eram uma realidade. Da mesma forma, mesmo que o vocábulo Trindade tenha aparecido apenas no século II, isso não invalida o conceito de um Deus trinitário, presente em todo o cânon bíblico.

PERGUNTA 2: Se a Trindade existe, por que na Bíblia não existe a palavra Trindade? Desafio você a me mostrar a palavra Trindade uma só vez na Bíblia; aí eu crerei na Trindade.

RESPOSTA: Há muitas palavras que não estão na Bíblia e que foram criadas a posteriori, mas que carregam os conceitos que levaram a sua criação, por exemplo: as expressões “milênio”, “encarnação de Cristo”, a própria “Bíblia”, “soteriologia”, etc. Se quisermos aceitar as doutrinas bíblicas apenas se forem acompanhadas de nomes, então não acreditaremos na soteriologia (doutrina da salvação), não acreditaremos na encarnação de Cristo, no milênio, e rejeitaremos a própria Bíblia, porque na Bíblia não tem a palavra “Bíblia”! O mais importante é saber que para todas as expressões acima há um claro conceito bíblico que as sustenta. Da mesma forma, o termo “Trindade” carrega um conceito bíblico da existência da Divindade em três pessoas.

A palavra Trindade vem do latim Trinitas, cunhada por Tertuliano no segundo século d.C. Ainda que não seja um termo bíblico, ele representa bem a solidificação do ensino da Bíblia que nos esclarece acerca dos membros da Divindade – Pai, Filho e Espírito Santo. [Para mais informações sobre esse tema, leia aqui, aqui e aqui.]

PERGUNTA 3: A Trindade é um dogma católico e surgiu no concílio de Niceia. Por que dar crédito a um dogma pagão?

RESPOSTA: Em primeiro lugar, a doutrina da Trindade em que nós cremos como adventistas do sétimo dia não se baseia na Igreja Católica ou no Concílio de Niceia. Todo corpo doutrinário da Igreja Adventista foi extraído da Bíblia, nossa única regra de fé. Em segundo lugar, dizer que a doutrina da Trindade surge em Niceia é uma demonstração clara de ignorância nesse assunto. Como já mencionado na resposta à pergunta 2, o termo “Trindade” foi cunhado por Tertuliano na última década do segundo século d.C., isso cerca de 113 anos antes do concílio de Niceia. Além do mais, a expressão e o conceito trinitário já eram ensinados por vários “pais pré-nicenos”, como Justino Mártir, Irineu, Clemente de Alexandria, o próprio Tertuliano, Hipólito e Orígenes. Portanto, a alegação de que a doutrina da Trindade surgiu no concílio de Niceia demonstra ser apenas mais uma falácia antitrinitariana. [Sobre essa questão, leia mais aqui, aqui e aqui.]

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