Descubra como agir diante de pessoas e ideias que não combinam com você e
que ferem os seus valores
O problema de algumas pessoas não é ter
opiniões próprias, mas não saber como expressá-las. Pensam que o fato de serem
inteligentes e questionadoras lhes dá o direito de abrir mão das boas maneiras.
Será? É verdade que diplomacia e palavras educadas não resolvem tudo. Também é
certo que a tintura social de muitos sorrisos amarelos em “caras de paisagem”
podem não ser mais que sinal de hipocrisia. E daí? Isso nos daria o direito de
agir teimosamente como justiceiros autorizados, como legítimos donos da
verdade? Isso seria suficiente para justificar uma “boa” briga? Afinal de
contas, seria a contradição ou o cinismo alheio uma boa razão para haver de
minha parte uma atitude agressiva “moralmente defensável”?
Deve existir, imagino eu, um ponto de equilíbrio
possível, ou ao menos desejável, entre a busca pela verdade e o respeito pelo
adversário, por mais desprezível e desonesto que ele seja. Deve haver ocasiões,
ao menos algumas, em que a eletricidade negativa da justa indignação contra as
coisas erradas deva ser canalizada de forma mais produtiva que destrutiva. Não
se trata apenas de etiqueta, portanto. Vai além disso. Forma e conteúdo nem
sempre são coisas separadas, são? Aparência e essência se relacionam às vezes
de um jeito mais complexo e desafiador do que supõe a nossa vã filosofia.
Por essa razão, na vida em sociedade, a busca e a
defesa da verdade nunca serão apenas um exercício intelectual frio, solitário e
abstrato. Sempre terão que incluir na fórmula – (in)felizmente! – as pessoas
envolvidas no processo, suas histórias, mazelas e sentimentos, tanto os alheios
como os próprios. A mesma mente inquieta que reivindica não negar a realidade
deveria admitir que é impossível conhecer o que quer que seja sem antes
conhecer a si próprio, sem “ser”, sem explorar a fundo o próprio coração. Em
outras palavras, quanto menos sei quem sou, ou quanto mais me afasto de minha
essência, tanto mais distorcido e incompleto será meu conhecimento sobre o
mundo, sobre a vida, sobre tudo. Alienar-se é sinônimo de estranhar-se, isto é,
significa olhar no espelho e não reconhecer a si próprio; por ter ido longe
demais, por ter negado as próprias fragilidades em vez de tratá-las e
remediá-las com cuidado e amor.
Essa rejeição do próprio eu limita o potencial de
nossa mente para pensar e agir. Não parece, mas no fundo é algo simples. Só se
complica quem quiser. Na análise dos fatos (numa querela, por exemplo), pode
até existir maior ou menor objetividade, porém a objetividade absoluta é algo
que está fora do alcance e da esfera humanas; é coisa de Deus, só Dele.
Observar o mundo, pensá-lo, entendê-lo, questioná-lo só funciona quando, em um
ato contínuo, eu também penso a mim mesmo, me entendo, me questiono. Nas
palavras de Jesus, o argueiro no olho alheio não é mais importante que a trave
no próprio olho (Mt 7:3-5). As duas perspectivas são inseparáveis e
complementares, daí o mandamento de amar ao próximo como a si mesmo (Mt 22:39).
O próprio Cristo nos ensinou essa lição quando,
ainda criança, teve que enfrentar ideias, atitudes e práticas contrárias às
Suas. Se alguém, dentro da família e da sociedade, parece não ter o direito de
pensar por si, são as crianças. Ao longo dos séculos tem sido assim. A
infantilidade e imaturidade típicas das crianças em parte justificam isso. Todo
mundo parece se sentir no direito de ensiná-las. Com Jesus não foi diferente.
Agora, imagine o Mestre dos mestres tendo que, aos 12 anos, discordar dos
rabinos encarregados de instruí-Lo! Mesmo assim, diz Ellen White, “Ele cuidava
em não falar desrespeitosamente desses professores” (Vida de
Jesus, p. 25).
Imagine o Pai de Todos sendo o filho submisso de um homem e uma mulher com
deslizes e defeitos de caráter semelhantes aos seus e aos meus. Por causa das
boas intenções dos pais, “Jesus sofreu pressões, as quais foram difíceis de
suportar” (p. 25). Imagine as ameaças e chacotas que os irmãos e amigos de
infância Lhe faziam. Ele, porém, “não reprovava as más ações de Seus irmãos,
mas lhes mostrava o que Deus havia dito” (p. 26). Além de cortês e bondoso, Ele
era inteligente e alegre, por isso apreciavam tanto Sua companhia. Agora,
imagine Jesus frequentando uma igreja imperfeita, com membros iguais ou piores
que aqueles que encontramos em nossas próprias comunidades de fé no século 21.
Imagine-O andando pelas ruas de Nazaré, cheias de sujeira e pobreza de todo
tipo: física, cultural e moral. Ele bem que poderia ter chutado o balde, não é?
Poderia ter brandido a espada e se levantado ferozmente com o chicote na mão.
Poderia ter amaldiçoado a todos e mandado todo mundo para o inferno, não é
mesmo? Ele tinha tudo para assumir a postura de justiceiro. Ele tinha, por
assim dizer, telhado de vidro, pois era santo, perfeito, impecável. Estava no
direito de condenar e chamar todo mundo de sepulcro caiado e raça de víboras,
certo?
Entretanto, Jesus não agiu assim. “Jesus não
reivindicava Seus direitos. […] Íntegro e puro, caminhava entre os negligentes,
os brutos, os intratáveis, entre os coletores de impostos desonestos, entre os
pródigos perdulários, entre os samaritanos injustos, entre os soldados pagãos,
entre os camponeses rudes. Distribuía palavras de simpatia aqui e ali. Quando
encontrava alguém curvado sob os fardos da vida, aliviava-lhes o peso,
repetindo as lições que havia aprendido da natureza, do amor, da simpatia e da
bondade de Deus” (p. 26, 28). Exceto por uns poucos incidentes polêmicos
envolvendo os líderes judeus mais obstinados de Sua época, os atos e palavras
de Jesus transmitiam a todos a esperança e a amabilidade que as pessoas em
geral não conseguiam encontrar em ninguém mais, senão Nele (Mt 11: 28-30; Lc
9:56; Jo 12:47). Jesus tinha boas maneiras. Era gentil e cortês não por ser um
diplomata, mas por amor e respeito a todos aqueles com quem Ele entrava em
contato, pessoas que Ele considerava candidatas ao Céu, não ao inferno. O amor
expresso em Suas palavras (mesmo nas de reprovação) não se restringia às
fórmulas de polidez socialmente aceitas. Ia além. Incluía aparência e essência,
forma e conteúdo. Quebrava alguns protocolos enquanto, curiosamente, respeitava
outros (Jo 7:44-46; Mc 7:26-29). A lógica de Seus atos desafia nosso intelecto
e inspira nosso coração.
Ele é nosso modelo, não os personagens caricatos
inventados pelo gênio criativo de célebres escritores ou dos cineastas famosos
de nosso tempo. Jesus tem a coerência da qual carecem muitos super-heróis
fictícios, o amor profundo e genuíno ausente nos galãs da TV, a mente brilhante
e invejável que muitos cientistas gostariam de ter, a ousadia e sofisticação de
pensamento que nenhum filósofo nesta Terra jamais alcançará. O que você acha de
tomá-Lo como referência na próxima vez que entrar em uma discussão
(doutrinária, política ou ideológica) com alguém para defender o seu ponto de
vista?
JÚLIO LEAL é pastor, doutor em Educação e editor de livros
didáticos na Casa Publicadora Brasileira