sábado, 13 de julho de 2019

Deus: crer ou não crer?


Deus existe? A maioria das pessoas acredita que sim, mas dentro dessa maioria há grupos que pouco se importam com os fundamentos bíblicos do cristianismo e outros que se importam tanto com os dogmas que se esquecem de ser cristãos; há aqueles que invocam Jeová para praticar atrocidades e aqueles que invocam a Deus para que os defenda de tamanhas atrocidades. Por tudo isso, não é de espantar o crescimento do grupo dos que declaram não ser adeptos de nenhuma religião (de 3% em 1990 saltaram para 7% em 2007 – Pesquisa Datafolha, abril de 2007). Pelo menos é o que se responde na hora fria da entrevista do pesquisador do IBGE; em horas menos incertas, não se sabe qual seria a resposta.

Discute-se hoje o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Há 200 anos, bem poucos negariam a criação de Adão e Eva, o dilúvio, a travessia do Mar Vermelho, a batalha de Davi e Golias, a ressurreição de Cristo, o apocalipse, o fim e o recomeço, o Alfa e o Ômega. Entretanto, como percebe o sociólogo Fredric Jameson, as histórias da Bíblia, nos dias de hoje, não são mais tomadas literalmente, mas figurativa e alegoricamente, e assim são “destituídas de seu conteúdo exótico ou arcaico, cuja linguagem e figuração essencialmente abstratas (ansiedade, culpa, redenção) podem agora… ser oferecidas ao público diferenciado de habitantes das cidades do Ocidente para serem recodificadas em termos de suas próprias situações privadas” (Pós-modernismo, 1997, p. 387).

Há também pessoas que acham que Deus é um ser conveniente demais para ser de verdade e que, com tantos motivos para inventá-Lo, Ele não passaria de uma invenção humana. Porém, não será a crença na não-existência de um plano de salvação da humanidade que parece conveniente? Explico por quê. Sem a possibilidade de ser julgado por seus atos e por sua fé, muitos adorariam fazer o que bem entendem da vida (e já não o fazem?) sem ter que dar explicações a nenhum ser sobrenatural e estraga-prazeres. Parafraseando Luc Ferry, seria o caso apenas de tomar o que esse mundo individualista oferece de melhor e começar a corrigi-lo com umas boas doses de humanismo. Nenhum céu a perder, nenhuma eternidade a ganhar. Para estes, o sentido da vida é que a vida não teria sentido. Muito conveniente, não?

Há outro grupo de não-crentes: os que fazem questão de erradicar a religião. Em entrevista a The New Republic, o escritor Ian McKewan falou de seu ateísmo e disse que a idéia de suprimir a religião é terrível. sua frase parece mais sensata em tempos dos exterminadores Dawkins, Hitchens e cia, pregadores fundamentalistas de uma retórica anti-religião. Estes são denominados “brights” e renegam qualquer pensamento de explicação sobrenatural da história do Universo e do homem. Alguns deles, como Daniel Dennett, em Quebrando o Encanto, considera impossível o convívio entre ciência e religião, como se o indivíduo não pudesse conciliar a ambas. Hitchens, em Deus não é Grande, é um polemista, e como tal, chega a apregoar a irrelevância do cristianismo na tradição cultural da humanidade. Bem se vê que na luta para suprimir a fé e eleger exclusivamente a razão, pode-se perder a razão.

Sobre um personagem de um conto em ficções, Jorge Luis Borges diz que “Buckley não acredita em Deus, mas quer demonstrar ao Deus não-existente que os homens mortais são capazes de conceber um mundo”. Interpreto essa frase como dirigida ao grupo daqueles que até crêem na existência de Deus, mas prefeririam que Ele não existisse, pois seria um “obstáculo” aos seus planos de vida. Os manuais do ateísmo e do agnosticismo estão disponíveis nas estantes e mesmo debaixo do braço de alguns discípulos, como se fosse uma Bíblia às avessas, pronta para ser sacada pelos Buckleys de hoje nas situações em que precisam “provar” que Deus não existe ou que as coisas não são bem assim como Moisés, Lucas e João contaram. Como escreve João Pereira Coutinho: “Acho estranho que um ateu se preocupe com aquilo que, para ele, não existe. Nada é mais estranho do que um ateu convicto que não acredita em Deus e abomina Deus.”

Por fim, há outro grupo: é o daqueles que não viram, mas crêem. Daqueles que em pleno terceiro milênio mantém um estilo de vida respaldado em um livro mal-interpretado, reprimido, mas incrivelmente capaz de fazer refletir e mudar histórias pessoais ainda hoje. A despeito de alguns denominados cristãos envergonharem a fé que dizem professar ou da mídia ocultar os bons cristãos, se alguém chegar a perguntar se é possível ainda haver fé na terra, pode apostar que tal pessoa não conhece ou finge ignorar outros modelos de viver o cristianismo, com inteligência e fé, dignidade e esperança.


Nem todos os ateus nos apontam o dedo no rosto e nem todos os cristãos ficam exaltados quando alguém não concorda com o que dizem. A vida é complexa, e Deus, o Deus de “todo aquele que nEle crê”, é um Ser simples e complexo ao mesmo tempo. E todos, em algum momento de suas existências, se vêem diante da chance de escolha entre o Deus vivo de Pedro e Paulo e o deus não-existente de Marx e Nietzsche.


(Joêzer Mendonça, Nota na Pauta)

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