[Nestes últimos dias o dragão (Satanás) está irado contra a mulher (igreja)
e tem levantado as mais diversas heresias, ideias e variados movimentos
dissidentes com o objetivo de causar dissensão e dividir para conquistar.
Enquanto Jesus orou pela unidade da igreja, há indivíduos e grupos que fazem o
trabalho contrário. Entre esses estão os antitrinitarianos, “pescadores de
aquário” que têm se especializado em abalar a fé de membros da igreja menos
preparados e não firmados na Palavra. Apresentam argumentos e textos
descontextualizados, “documentos” parciais e distorção da história
eclesiástica, afirmando que a Igreja Adventista teria abraçado um dogma pagão.
Com o objetivo de munir os interessados com argumentos consistentes e, mais
importante, verdadeiros, convidei meu amigo pastor Eleazar Domini, criador do
blog Adventistas
Trinitarianos, a escrever uma série de três posts intitulada
“Respostas a um Antitrinitariano”, organizada em quatro partes: (1) a Trindade
na Bíblia e na História; (2) a divindade e a eternidade de Jesus; (3) a
divindade e a personalidade do Espírito Santo; e (4) a Trindade na história do
adventismo. Para que os textos não sejam excessivamente longos e pensando nos
leitores que queiram se aprofundar no assunto, foram colocados links
para conteúdos extras. O pastor Eleazar, além de bacharel em Teologia, é mestre
em Teologia na área de Interpretação e Ensino da Bíblia com ênfase na língua
hebraica. Atualmente é pastor distrital em Aracaju. – MB]
Ao longo da minha trajetória nestes dez anos como pastor adventista do
sétimo dia, já passei por diversas experiências desconfortáveis com variados
grupos dissidentes. Os antitrinitarianos vez ou outra nos interpelam com seus
questionamentos, querendo nos colocar “contra a parede”, assim como os fariseus
faziam com Cristo. Abaixo estão algumas das perguntas mais recorrentes a
respeito da Trindade e as repostas que eu costumo oferecer:
PERGUNTA 1: Nos dias em que o Messias esteve
neste mundo qual era a crença predominante entre os professores ou mestres em
Israel? (1) Unicismo: modalismo, que advoga que existe um Deus, o qual Se
manifesta em três essências ou modos (Pai, Filho e Espírito Santo)? (2)
Trindade, que defende que o Eterno é três pessoas distintas que compartilham a
mesma natureza? (3) Monoteísmo, que advoga que o Eterno é um ser
indivisível, um só, único, ímpar, singular e incomparável? Lembrando que
estamos falando de um povo estritamente imerso em uma tradição milenar de forte
tendência à oralidade. No relato de Marcos, capítulo 12, Jesus profere o Shemá
Israel como resposta à pergunta de um mestre da Torá de qual seria a maior Mitzvah
(instrução, mandamentos), conforme consta nos versos 28 (pergunta) e 29
(resposta de Jesus). Ao responder com o Shemá Israel logo em seguida, o mestre
disse que Jesus dera uma boa resposta. A pergunta que eu faço é: Se a crença
verdadeira é o monoteísmo unicista ou monoteísmo trinitariano, não era uma boa
oportunidade para Jesus corrigir aquele mestre? Obs.: O teólogo José Carlos
Ramos diz que “o termo Trindade foi usado pela primeira vez por Teófilo de
Antioquia no 2o século.
RESPOSTA: Talvez o maior problema de quem advoga o
antitrinitarianismo seja a descontextualização, i.e., a análise de apenas parte
do texto esquecendo o restante. Veremos abaixo o restante do texto esquecido
pelo amigo, como também as correlações existentes entre ele e os livros de
Salmos e Hebreus.
O primeiro aspecto frágil a ser analisado nessa proposta levantada pelo
amigo (mesmo ele não tendo mencionado, mas está subtendido em sua fala) é a
crença de que o termo echad tem apenas um sentido, um significado:
“único”. Não obstante, em vários outros textos da Torah (Pentateuco), Neviim
(Profetas) e Ketuvim (Escritos) extrai-se também o conceito de pluralidade para
a termo. Os exemplos são os mais diversos:
- A junção de duas partes – tarde e manhã – na formação de um echad, dia (Gn 1:5).
- A união matrimonial entre o homem e a mulher, quando os dois são chamados “uma (echad) só carne” (Gn 2:24).
- O povo era um echad e ao mesmo tempo muitos (Gn 11:6); um echad coração, mas era uma multidão (2Cr 30:12).
- No novo concerto, Deus deu a todos os crentes, seu povo, um echad coração (Jr 32:39), mas eles são muitos.
É importante ressaltar que o termo echad não tem a significação apenas
de uma unidade composta; ele pode ser traduzido por “um” como uma
unidade simples e básica. Entretanto, é um termo que permite a dupla tradução,
i.e., pode ser usado das duas formas. Contudo, há outro termo hebraico que não
permite a tradução de uma unidade composta: yachid. Esse termo só é
traduzido por “um” no sentido de “único”, ele não permite o uso para uma
unidade composta. Sendo assim, fica o questionamento: se Moisés quisesse enfatizar
um Deus único no sentido de ser apenas uma pessoa, o melhor termo a
ser empregado não seria yachid? Por que usou o termo echad
que permite uma segunda tradução? Isso é, no mínimo, curioso.
Alguns tentam apelar para o texto em que Deus diz “toma agora o teu filho, o
teu único (yachid) filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à
terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu
Te direi” (Gênesis 22:2), para tentar mostrar que também teria um sentido
composto, uma vez que Abraão também tinha Ismael como filho. É necessário dizer
que qualquer estudante da língua hebraica sabe que isso não é verdade. Quando o
texto menciona Isaque como único (yachid) filho, é literal no
sentido de ser o único legítimo, o único filho da promessa. Não havia outro
filho legítimo de Abraão com Sara; não havia dois filhos da promessa. É nesse
sentido que yachid é usado em Gênesis 22:2. [Sobre echad e yachid,
leia mais aqui, aqui, aqui e aqui.]
Dito isso, entendemos que Cristo afirmou o que todo cristão deve dizer, e
não há erro nenhum nisso nem nas palavras do escriba: “Há um (echad)
só Deus, e não há outro além dEle.” Todo cristão trinitariano crê nisso. Há
apenas um Deus, manifesto em três pessoas. Entretanto,
nota-se que o amigo desconsiderou os versos subsequentes da narrativa de
Marcos. Se propositalmente, não se sabe, mas segue-se abaixo a análise que vai
dos versos 35 a 37:
“E, falando Jesus, dizia, ensinando no templo: Como dizem os escribas que o
Cristo é filho de Davi? O próprio Davi disse pelo Espírito Santo: “O Senhor
disse ao Meu Senhor: Assenta-Te à Minha direita até que Eu ponha os Teus
inimigos por escabelo dos Teus pés. Pois, se Davi mesmo lhe chama Senhor, como
é logo seu filho? E a grande multidão O ouvia de boa vontade.”
Nesse relato Cristo reivindica Sua autoridade como Senhor no Antigo
Testamento. Ele faz uma referência ao Salmo (Tehilim) 110:1. Ali
aparecem dois Senhores. Um deles é Cristo. Confirmando essa teologia linda que
permeia toda a Bíblia, Paulo, ao escrever em Hebreus, diz: “E a qual dos anjos
disse jamais: Assenta-te à Minha destra, até que ponha a Teus inimigos por
escabelo de Teus pés?” (1:13). Aqui Paulo faz referência a Cristo como o Senhor
que aparece no Salmo (Tehilim) 110:1. Ou seja, além de o próprio
Cristo Se identificar como o Senhor do Salmo 110, Paulo ratifica as palavras de
Cristo. O mais interessante é que nos versos anteriores o autor de Hebreus usa
ainda outro Salmo, o 45:6 e 7, em que apresenta Cristo como Deus:
“Mas, do Filho, diz: Ó Deus, o Teu trono subsiste pelos séculos dos
séculos; cetro de equidade é o cetro do Teu reino. Amaste a justiça e odiaste a
iniquidade; por isso Deus, o Teu Deus, Te ungiu com óleo de alegria mais do que
a Teus companheiros” (Hb 1:8, 9).
Claramente Cristo é identificado como Deus no livro de Hebreus,
pois o verso 8 inicia dizendo que “do Filho diz: Ó, Deus”. No texto hebraico
temos a expressão Elohim duas vezes. Uma provável referência a Cristo
e ao Pai, como se vê abaixo:
אָהַבְתָּ צֶּדֶק וַתִּשְׂנָא רֶשַׁע
עַל־כֵּן מְשָׁחֲךָ אֱלֹהִים אֱלֹהֶיךָ שֶׁמֶן שָׂשׂוֹן מֵחֲבֵרֶיךָ
Portanto, o relato de Marcos não retira de Cristo Sua divindade, ao
contrário, o correto entendimento dos termos e a análise contextual dos versos
correlatos permitem claramente a identificação de Cristo como o ser divino, o
Deus do Tehilim, identificado e interpretado pelo autor inspirado de
Hebreus.
O amigo expressa o contexto cultural judaico como sendo de extrema valia
teológica. Não obstante, esquece que esse mesmo contexto cultural judaico
estava tão distante da verdadeira teologia que rejeitaram o Messias. A Mitzvah
é uma amostra de quanto a tradição estava impregnada na mentalidade judaica,
que praticamente havia suplantado a teologia do Antigo Testamento. Não se pode
afirmar categoricamente que havia um claro ensino defendido pelos judeus acerca
da Trindade (apesar de fortes evidências serem encontradas no Antigo Testamento
a respeito dessa doutrina).
Da mesma forma muitas outras doutrinas não eram ensinadas por eles e também
não têm tanta ou mesmo nenhuma ênfase no Antigo Testamento, mas foram
estabelecidas ao longo da era neotestamentária. Poderíamos citar o batismo, a
santa ceia; havia fortes discrepâncias também entre a crença da ressurreição
defendida pelos fariseus e atacada pelos saduceus, bem como grandes
discrepâncias entre as principais escolas rabínicas da época (Hillel e Shamai)
acerca da questão do divórcio e novo casamento. A lista é grande das doutrinas
e crenças não abordadas no Antigo Testamento de maneira clara, e muitas delas
não são defendidas pela comunidade judaica em sua inteireza.
Cristo cita Deuteronômio da forma como está, e provavelmente na língua
hebraica (forma comum como um judeu citava as Escrituras). Não há dificuldade
em citar o texto tal como ele está (o termo echad não oferece
dificuldade à doutrina). O fato de Cristo citá-lo e não explicá-lo, como o
amigo gostaria que Ele tivesse feito, e talvez o amigo considere que Cristo
tenha perdido uma grande oportunidade de ensinar a Trindade, eu credito à
grande sabedoria do Mestre. Jesus sempre soube o momento certo de falar. Não podemos
fundamentar uma doutrina ou destruí-la com base no silêncio de Cristo. Uma
doutrina não se baseia no silêncio.
Há outras ocasiões em que Cristo silenciou e não deu explicações que talvez
considerássemos cruciais que Ele o tivesse feito. Mas Ele sabia e sabe melhor
do que nós. Nunca Se calou quando considerou prudente falar e nunca falou
quando considerou prudente Se calar. Portanto, não desacredito na doutrina bíblica
da Trindade tão somente porque Cristo Se calou quando acho que Ele
deveria ter falado. Minha crença também não se fundamenta no que a comunidade
judaica da época de Cristo acreditava ou não (eles não eram parâmetro
doutrinário em tudo). Minha crença se baseia nas inúmeras provas bíblicas (AT e
NT) que, de forma contundente, abordam o conceito trinitário, independentemente
da mentalidade judaica contemporânea de Cristo.
Quanto à última parte de seu questionamento, em que você usa a fala do Dr.
José Carlos Ramos para mostrar que o termo Trindade foi usado pela primeira vez
no século II, isso não diminui em nada a crença nessa doutrina bíblica. O termo
“cristãos” foi utilizado pela primeira vez só em Atos 11:26, quando, depois das
muitas perseguições, eles foram para a região de Antioquia. Lá, depois de algum
tempo ensinando as pessoas, eles foram chamados “cristãos” pela primeira vez.
Pergunta: Será que antes eles não eram cristãos? Não eram seguidores de Cristo
só porque foram assim denominados posteriormente? Poderíamos afirmar, então,
que todos aqueles que viveram antes da nomeação em Antioquia não eram cristãos?
Só podemos considerar cristãos os que viveram após o reconhecimento que os
moradores de Antioquia fizeram? Claro que não! Apesar de o nome surgir depois,
o conceito e as evidências dos seguidores de Cristo já eram uma
realidade. Da mesma forma, mesmo que o vocábulo Trindade tenha aparecido apenas
no século II, isso não invalida o conceito de um Deus trinitário, presente em
todo o cânon bíblico.
PERGUNTA 2: Se a Trindade existe, por que na
Bíblia não existe a palavra Trindade? Desafio você a me mostrar a palavra
Trindade uma só vez na Bíblia; aí eu crerei na Trindade.
RESPOSTA: Há muitas palavras que não estão na Bíblia e que
foram criadas a posteriori, mas que carregam os conceitos que levaram
a sua criação, por exemplo: as expressões “milênio”, “encarnação de Cristo”, a
própria “Bíblia”, “soteriologia”, etc. Se quisermos aceitar as doutrinas bíblicas
apenas se forem acompanhadas de nomes, então não acreditaremos na soteriologia
(doutrina da salvação), não acreditaremos na encarnação de Cristo, no milênio,
e rejeitaremos a própria Bíblia, porque na Bíblia não tem a palavra “Bíblia”! O
mais importante é saber que para todas as expressões acima há um claro conceito
bíblico que as sustenta. Da mesma forma, o termo “Trindade” carrega um conceito
bíblico da existência da Divindade em três pessoas.
A palavra Trindade vem do latim Trinitas, cunhada por Tertuliano no
segundo século d.C. Ainda que não seja um termo bíblico, ele representa bem a
solidificação do ensino da Bíblia que nos esclarece acerca dos membros da
Divindade – Pai, Filho e Espírito Santo. [Para mais informações sobre esse
tema, leia aqui, aqui e aqui.]
PERGUNTA 3: A Trindade é um dogma católico e
surgiu no concílio de Niceia. Por que dar crédito a um dogma pagão?
RESPOSTA: Em primeiro lugar, a doutrina da Trindade em que
nós cremos como adventistas do sétimo dia não se baseia na Igreja Católica ou
no Concílio de Niceia. Todo corpo doutrinário da Igreja Adventista foi extraído
da Bíblia, nossa única regra de fé. Em segundo lugar, dizer que a doutrina da
Trindade surge em Niceia é uma demonstração clara de ignorância nesse assunto.
Como já mencionado na resposta à pergunta 2, o termo “Trindade” foi cunhado por
Tertuliano na última década do segundo século d.C., isso cerca de 113 anos
antes do concílio de Niceia. Além do mais, a expressão e o conceito trinitário
já eram ensinados por vários “pais pré-nicenos”, como Justino Mártir, Irineu,
Clemente de Alexandria, o próprio Tertuliano, Hipólito e Orígenes. Portanto, a
alegação de que a doutrina da Trindade surgiu no concílio de Niceia demonstra
ser apenas mais uma falácia antitrinitariana. [Sobre essa questão, leia mais aqui, aqui e aqui.]