"Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa e em quem não há hipocrisia!" (Salmos 32:2)
Um dos predicados que
Jesus mais usou para (des)qualificar as pessoas durante seu ministério
terreno foi “hipócrita”. Era o adjetivo principal que Ele utilizava para
se referir aos escribas e fariseus, por exemplo. Nas minhas leituras da
Bíblia, acabei atentando para essa palavra e acabei me entregando à
reflexão acerca da hipocrisia. E tenho pensado tanto sobre a minha
hipocrisia quanto a das pessoas que me cercam. Não se espante de eu
dizer “a minha”, porque quando se é honesto consigo mesmo é impossível
não reconhecer que todos temos um pouco (ou muito) dela. Uns mais,
outros menos, mas todos temos nossa dose desse mal, nem que seja em nome
do bom convívio social. Não virar a mão na cara de uma pessoa que você
sabe que está mentindo para você e ficar sorrindo para ela não deixa de
ser um ato hipócrita, se você parar para pensar. Então, eu e você temos
nossa cota de hipocrisia, admitamos. Afinal, não admitir isso seria…
hipocrisia.
“Hipocrisia” vem do grego hupokrisía, vocábulo que tem o sentido
de “alguém que desempenha um papel”. Ou seja, em resumo, hipocrisia tem a
ver com fingimento. É uma coisa meio teatral, quando você finge ser,
sentir ou pensar algo que não condiz com a realidade. Mas, mesmo sendo
uma característica tão presente no ser humano como qualquer outro
pecado, preciso reconhecer que ultimamente tenho visto tanta hipocrisia
que chega a gerar em mim uma certa repulsa.
Algo que detectei no trato com pessoas que têm agido de forma hipócrita é
que há quatro estágios de reação da sua parte quando você se depara com
um ato de hipocrisia perpetrado por alguém que você conhece e com quem
se preocupa:
1. Revolta
2. Exortação
3. Conformismo
4. Anestesia (esta geralmente vem acompanhada de um consequente afastamento)
É mais ou menos assim que ocorre quando alguém por quem você se importa
embarca num comportamento hipócrita perene: primeiro você se revolta,
acha um absurdo. “Como fulano consegue ser tão fingidor?! Como ele
aguenta viver assim?!”. Depois vem a fase da exortação, quando você
tenta chamar a pessoa à responsabilidade, faz o que está ao seu alcance
para que ela abandone seus atos hipócritas e que vão acabar por
machucá-la ou machucar terceiros, aconselha, fala, adverte, alerta para
os problemas que aquilo causará. Mas, no instante em que você percebe
que de nada adiantou admoestar e que a pessoa persiste em sua trajetória
de hipocrisia, começa a etapa do conformismo. “É… fulano escolheu ser
hipócrita mesmo, fazer o que, né?! Deixa estar”. Por fim, chega a
anestesia. É quando você já se esforçou tanto e fez tudo o que estava ao
seu alcance para libertar a pessoa com quem você se importa dos
grilhões de seu fingimento que literalmente fica exausto. E percebe,
enfim, que a pessoa tomou a decisão definitiva: viver a hipocrisia até o
fim. É quando você desiste.
Infelizmente, isso acaba despertando em você uma boa dose de asco por
tamanho fingimento, a ponto de te deixar meio anestesiado ao fato –
talvez como uma casca protetora para proteger você de sentir o
sentimento ruim que está sentindo. Se você assistiu ao filme Pink Floyd – The Wall vai entender um pouco do que estou falando: você se torna Comfortably Numb (Confortavelmente Entorpecido).
É nessa hora que você larga a mão de quem insiste em pular no abismo e
deixa pra lá. Como se dissesse: “Você persiste nessa atitude? Então quer
saber? Azar o seu, colha os frutos amargos das suas ações”. Nesse ponto
se dá a ruptura e a gente simplesmente sai de cena, entregando o ente
querido à própria sorte. “Que Deus o ajude”, é o que resta dizer. E
vamos cuidar da vida, esperando só o dia em que chegarão as inevitáveis
notícias dos desastres ocorridos por causa daqueles persistentes atos
hipócritas (é claro que oramos muito pedindo a Deus que isso não ocorra,
mas é como a Bíblia diz: “Quem semeia corrupção na carne colhe
corrupção na carne”. É inevitável.). Ou você acha que uma hipocrisia
perene não traz infelicidade ao hipócrita? Ou você acha que hipocrisia
passa impune?
Todos somos hipócritas, logo, não serei eu a atirar a primeira pedra.
Mas há uma grande diferença entre os tipos de pessoas que praticam a
hipocrisia: há o hipócrita que percebe suas escorregadas e se corrige e o
hipócrita que, por mais que você advirta, persiste em levar adiante seu
erro. Só que Deus não nos chamou para sermos hipócritas. E se você
percebe que está vivendo atrás de máscaras, sorrindo quando queria
chorar, dizendo “sim” quando deveria dizer “não”, fingindo ser quem você
não é… meu irmão, tome uma atitude. Por quê?
Porque senão o seu modo de proceder em nada será diferente do modo dos
escribas e fariseus que Jesus tanto condenou. E a quem chamou de
sepulcros caiados.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Maurício Zágari (via Apenas) (Título original: O abismo chamado hipocrisia)
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