A
disseminação de smartphones, tablets e notebooks junto com
o surgimento das redes sociais mudou a maneira como crianças e adolescentes
interagem com o mundo e com os outros, com impactos positivos e negativos.
Se
propiciaram acesso a uma miríade de conhecimentos e permitiram uma comunicação
ágil e instantânea, essas tecnologias também produziram novas fontes de
angústia e tornaram mais fácil aos mais jovens tomarem contato com conteúdos e
situações para os quais não estão preparados emocionalmente.
Nos
últimos tempos têm-se acumulado evidências de que o uso exagerado de aparelhos
e redes sociais produz efeitos deletérios na saúde mental de crianças e
adolescentes e pode ser um dos fatores por trás do aumento da prevalência de
depressão nesse grupo etário.
"Os
mais jovens têm de enfrentar hoje coisas inimagináveis no passado, como a
exposição e a permanência nas redes sociais daquilo que eles fazem e falam, por
exemplo", diz Roberto Sassi, psiquiatra infantil e professor da
Universidade McMaster, no Canadá. O psiquiatra também aponta que hoje é mais
fácil para os jovens terem contato com sites que discutam, por exemplo,
automutilação.
Para
Jackeline Giusti, psiquiatra da infância e da adolescência do Instituto de
Psiquiatria da USP, o jovem contrastar a própria vida com a vida online
fantasiosa de outros no Facebook e no Instagram pode
potencializar estados psicológicos negativos. "Ele pode pensar: todo mundo
está feliz, todo mundo vai a festas, menos eu. Se a pessoa está triste, isso
vai deixá-la mais triste ainda", diz.
Um
dos aspectos mais perniciosos da rede, apontam os dois psiquiatras, é o chamado
cyberbullying. Segundo Sassi, a prática online produz nas vítimas a
mesma sensação negativa de passar por essas situações na vida real.
Artigo
publicado recentemente na revista da Academia Americana de Pediatria fez vasta
análise da literatura científica sobre o tema. Uma meta-análise de 131 estudos
mostrou que adolescentes que passam por cyberbulling apresentam risco
maior de ter problemas mentais e físicos." O uso de internet em geral e a
experiência de ser vítima de cyberbulling estão associados a mais
pensamentos suicidas e comportamentos de automutilação", diz o artigo.
Outro
estudo, esse publicado em outubro, analisou como passar muitas horas em frente
a telas de aparelhos pode afetar a saúde mental de crianças e adolescentes.
Jovens de 14 a 17 anos que passam mais de sete horas diárias em smartphones,
tablets, computadores e televisão tiveram mais do que o dobro de chance
de terem ansiedade ou depressão do que aqueles que passam uma hora.
Mesmo
após apenas uma hora em frente à tela por dia, crianças e adolescentes podem
começar a ter menos curiosidade, menor autocontrole, menos estabilidade
emocional e menor capacidade de concluir tarefas, segundo o estudo, publicado
na revista Preventive Medicine Reports. Entretanto, como se trata de um ramo
novo de pesquisa, ainda há muitos aspectos não compreendidos a respeito da
influência das tecnologias digitais na saúde mental dos mais jovens.
No
caso do segundo estudo, Sassi diz que há certas nuances que podem ter impactos
diferentes nos jovens. "A pessoa pode ser usuária ativa de Facebook,
que interage e conversa com outras pessoas, ou alguém que só observa a
atividade de outros; jogar games é uma atividade muito diferente de ver
um filme na Netflix. São coisas que nós colocamos juntos, mas que podem
ter impactos diferentes.
O
psiquiatra também diz que ainda não se pode estabelecer uma relação de
causalidade entre uso de tecnologias e depressão em mais jovens. "Não
podemos esquecer que o tempo em frente à tela é um tempo que você está tirando
de outras atividades, como sono e atividades físicas. Sedentarismo e baixa
qualidade do sono prejudicam a saúde mental tanto de jovens como adultos.
Nos
EUA, a prevalência da doença na faixa dos 12 aos 17 anos passou de 8,7% em 2005
para 11,3% em 2014, segundo os dados mais recentes de uma pesquisa nacional. No
Brasil não existem estatísticas do fenômeno, mas Jackeline Giusti diz que ter
observado nos últimos anos grande aumento de casos de depressão relacionada a
tecnologias digitais. "Cerca de 10% dos adolescentes e crianças que atendo
apresentam essa relação", diz.
Os
pais possuem papel relevante para evitar que o uso da internet traga prejuízos,
aponta Giusti. "Eles devem olhar os celulares dos filhos de vez em quando
para saber o que eles estão acessando, mas isso precisa ser combinado. Também
devem mostrar exemplos das consequências de certos comportamentos nas redes
sociais", diz.
A
psiquiatra também diz que os pais devem buscar restringir a quantidade de horas
dos filhos na internet e incentivar outras atividades. Mas, para isso
funcionar, os pais devem dar o exemplo. "Não adianta falar isso e, na hora
do jantar, o pai e a mãe ficarem grudados no celular, enquanto a criança fica
olhando para o teto. Esse é um momento para estar com os filhos, saber como foi
o dia deles", diz Giusti.
Os
pais também devem ficar atentos a mudanças de comportamento dos filhos, que
podem indicar um quadro depressivo. Giusti dá como exemplo o afastamento de
amigos, queda no desempenho escolar, irritabilidade e perda de interesse em
atividades que eles antes gostavam.
Negligenciar
esses comportamentos, considerando-os normais, acarreta um risco. Uma depressão
não tratada na idade mais jovem pode produzir grande prejuízo no futuro.
Fernando Tadeu Moraes (via Folha)
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